posso te contar um segredo?
tudo,
menos o doméstico.
aqui onde
nos diluímos
na água leitosa
da pia.
aqui, onde agora
viver parece fora
da minha vida.
meu sonho, há pouco:
estive num salão
de beleza, explicando
para o cabeleireiro
que queria não cortar ,
mas deixar crescer.
vai ficar horrível,
ele disse.
vai ficar horrível, e eu
só queria usar o banheiro.
quando finalmente achei
a privada,
não haviam fronteiras.
ela se localizava a uns 2cm
de uma banheira
de água quente,
onde um velho dormia
calmamente enquanto
suas mãos eram massageadas.
a banheira e a privada
ficavam em uma parte
mais alta, diriam, um
pedestal.
eu não sabia se era bem-vinda,
sabia não ter dinheiro —
e mesmo se tivesse, parecia um
convite
para algo secreto. mas de quem?
outro dia, você disse que pareço
estar sempre em busca de uma
casa
pro meu segredo, como se ele
pudesse existir sem mim.
como se não fosse meu corpo em
ruína a casa perfeita,
como se eu quisesse talvez ser mãe.
eternamente responsável
pelo que domesticas, acho que era
no que pensava ao cair
no sono
das que não dormem.
disseram que é domesticas, e não
cativas
a tradução mais próxima.
domesticar
é tirar o ser da sua “casa”, da sua
não-casa
e trazê-lo para perto das suas leis.
para perto porque não quero dizer
para dentro,
não quero acreditar que o dentro
seja possível.
domesticar
como de algum modo fazemos
ao revelar
o silêncio que nos têm povoado
a boca, o segredo,
a carne.
o sono com gosto
do sal dos mortos.