gabriella gomes
2 min readOct 9, 2022

desejo que um dia você olhe a si mesma com o frescor de quem olha um outro, isso é um adeus

ii.

você era o totem de sobrevivência. da minha própria.

de uma resignação — não, isso não. da possibilidade de me resignar com algo. levar do inferno uma pedrinha que dissesse que sobrevivi, que meus passos não mentem, que ao invés da raiva carrego algo mais sólido e menos infantil.

você veio da infância, praia de águas rasas e cheia de bolsas de quando desce e sobe a maré. um barranco pode virar piscina, dizia o recado do tempo e da paciência. minha infância, terra de horizonte enrubescido. tanto mirava minha própria saída, mas para mim não havia indício de futuro.

era menina burra e sem jeito com os jeitos. isso era de um sangue sem sangue, parecendo planta que solta leite, já viu? dizem que a seiva cura. mas o meu próprio só serve pro outro. sou vacinada contra mim mesma.

era menina burra e sem jeito com os jeitos, mas não me importava. era meu jeito. aí te conheci, querido totem, e por milagre ou magia, você nunca se quebrou. até agora. porque quero me livrar do totem, quero me livrar da sua violência mágica e trágica que diz: nós-somos, sem ao menos saber nós-quem. tenho raiva de quem diz nós querendo, na verdade, dizer eu. nós é sagrado. eu também, mas só no meu próprio solo. você no seu.

mas nós é sagrado em todo lugar, não pode ser profanado pela tragédia de uma picuinha qualquer. nós sobrevive sem você, sem eu.

e eu vivo melhor assim.