gabriella gomes
2 min readOct 9, 2022

desejo que um dia você olhe a si mesma com o frescor de quem olha um outro

i.

preciso do fulgor de uma folha branca. sem cadernos, sem emitir luz. só uma folha que reflete o que já existe.

“não é preciso inventar a roda de novo”, me disse a professora ao longo de mais de um ano. acho que o que ela queria é dizer é: eu só precisava ser gente, ser simples.

ser simples é ter a coragem nada simples de tocar o próprio coração sem luvas, deixá-lo refletir livremente como a folha branca. nada mais frágil que uma superfície entregue ao outro, meu sentido não é o de faixas indicando o intrespassável, pelo contrário — meu corpo é de nenhum aviso.

diante do silêncio, aparece a sua verdade, a inocência de um toque sem lei e também além da lei eu respondo.

suporta-me, suporta-me porque te suportei na minha frágil lentidão de ser humano. a frágil lentidão do sagrado, a frágil lentidão do segredo.

dói botar pedra nesse vão de toca, aqui onde um dia eu disse: amizade. amizade é um fantasma sem lar, sem lugar possível no mundo. assim: nem lá, nem cá. mas vai bem quando aceitamos sua natureza deslizante e quase inexistente. não é espelho, não é portátil. não é dócil.

quando conheci s., esse animal indefinível, s. disse que tenho coragem. depois s. disse, já na nossa condição de pedra desgastada, que tem coisa que é divina procedência e não se repete.

assim: deus bate uma vez na nossa porta. quando bate de novo, já é outro deus, outra memória.

outra coisa: nunca mais bato na sua porta. digo isso com amor.